Era um sonho antigo. Marine Antunes, palestrante e escritora, 35 anos, quis transformar algumas vivências, como a morte e a perda, num objeto artístico. Há 12 anos a dar voz e corpo ao projeto Cancro com Humor, onde aborda com leveza, a sua experiência com o cancro [Marine recebeu o diagnóstico de Linfoma Não Hodgkin com apenas 13 anos], estreia-se agora como dramaturga num monólogo.
A ideia foi reforçada com outro anseio: escrever para o marido, o ator Tiago Castro, “um artista extraordinário”. Marine conta como tudo começou. “Depois de uma ida ao teatro percebi que tinha tido uma ideia e que estava na hora de a enfrentar e explorar”. Em poucos meses nascia a peça Agora Noutro Lugar, com estreia marcada para 30 de maio, no Porto, no CCOP.
Tiago surgirá sozinho no palco, em formato de monólogo, à semelhança do que aconteceu no espetáculo de stand-up comedy Daqui Debaixo, que estreou no Teatro Amélia Rey Colaço, em Algés, no início de 2022, e que seguiu para outras cidades, como Porto, Barcelos, Régua, Mealhada, Espinho, Vilamoura.
Este monólogo é ainda apresentado em eventos de empresas, que “têm aderido muito, pois aborda a questão do sucesso — e as suas várias camadas — e de vulnerabilidade, conquista e perda.”
O processo deste novo monólogo está a ser entusiasmante para o casal, mas também “muito exigente”, explica Marine. “É mesmo muito difícil emocionalmente. Como ele é também muito rigoroso e esforçado, está a dar tudo de si.” Encenado por Marco Medeiros, a peça arranca no Porto e viaja até ao Estoril, onde estará em cena de 4 a 15 de junho, no Auditório Fernando Lopes Graça, Parque Palmela, Estoril.
“Estamos expectantes porque acreditamos mesmo nesta peça, no texto, na interpretação do Tiago, na encenação do Marco. Acreditamos que temos todos os ingredientes para impactar o público”, afirma a também autora do livro Manual para Descomplicar o Cancro, editado pela Marcador, em abril de 2022.
“Ri e chorei muito durante o processo”
Marine escreveu o texto e decidiu partilhá-lo com o marido. A reação foi “a melhor do mundo”, conta, sem rodeios. “Simplesmente, depois de a ler, chegou ao quarto a chorar e a dizer que foi o melhor texto que leu. Sei que somos ambos suspeitos, mas respeitamos muito o trabalho um do outro e nunca escreveria uma peça para ele se não acreditasse que tinha algo a dar-lhe e ele nunca a faria se não a adorasse.”
Fãs declarados um do outro, crescem profissionalmente com este amparo mútuo. Nesta — que é a primeira peça profissional para Marine — o sentimento de a ter escrito representa “uma felicidade extrema”.
O processo de escrita foi também exigente, sobretudo porque escreveu “sobre um homem e para um homem” e por abordar questões que muito lhe dizem. “Ri e chorei muito durante o processo que foi, ao mesmo tempo, uma terapia pessoal.” Quando o texto deixou de ser seu e passou a partilhá-lo com Tiago Castro e Marco Medeiros, confessa que estava preparada para o “não”, mas a reação foi outra. “Chorei de felicidade. Ter a minha peça interpretada pelo meu marido, que é também um dos meus artistas favoritos, é incrível. E encenada pelo Marco é, de facto, extraordinário”.
Seguir em frente depois da perda
Esta peça é para maiores de 16 anos e apresenta-nos o João, que entra no cemitério para pedir o divórcio à mulher morta. “Agora Noutro Lugar é um monólogo que mergulha no abismo da perda, onde o tempo parece estagnar e o luto se torna um peso impossível de carregar.” João, após a morte da mulher, vê-se pressionado a cumprir uma última vontade dela: seguir em frente. Contudo, toma uma decisão extrema e insólita — ir ao cemitério pedir o divórcio à mulher.
Com uma escrita que equilibra drama e um humor ácido, a peça explora os efeitos invisíveis do luto, a difícil reconstrução da identidade depois de anos de partilha e de um amor que se recusa a morrer.
O fio condutor desta jornada interior é a tensão entre a memória e a necessidade de continuar a viver. “Agora Noutro Lugar não é uma história de superação. É uma tentativa desesperada de continuar.” Esta é uma peça “crua, visceral, dramática, que mistura um humor ácido e provocador, e que se destina a todos os que perderam alguém, mas sobretudo a todos os que amam alguém”.
Marine Antunes não desvenda muito, prefere deixar todas as emoções para o público, para que cada pessoa descubra a mensagem subjacente.
Os bilhetes estão à venda na Fnac e na Bol
