Se há um sítio onde a medicina, a astrologia e o disparate absoluto coexistem alegremente, é no TikTok. A plataforma que nos trouxe danças virais e receitas de massa com feta, também se tornou um consultório médico improvisado, onde qualquer um, com uma câmara e um filtro, pode dar conselhos sobre saúde.
Algumas dicas são úteis, outras são dignas de um “facepalm” coletivo. E entre os dois extremos, há uma zona cinzenta onde o algoritmo reina e a auto-medicalização corre solta.
Milhões de vídeos com a hashtag #health mostram desde truques banais, como beber água com limão de manhã (quem nunca), até práticas mais duvidosas, como dormir com a boca colada com fita adesiva para “melhorar a respiração”.
E depois há as tendências bizarras, como a dieta do “Oatzempic” (uma tentativa caseira de imitar o efeito do Ozempic para emagrecer) ou as máscaras faciais de sebo de vaca. Porque nada diz pele saudável como espalhar gordura animal na cara… Errr.
Do auto-diagnóstico à ditadura do algoritmo
Mas a verdadeira revolução do TikTok foi transformar o auto-diagnóstico numa experiência coletiva. Aquele sintoma estranho que sentes? Provavelmente já tem um vídeo viral. Do nada, um simples esquecimento pode significar Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), a introversão é um sinal de autismo, e a falta de motivação matinal pode muito bem ser burnout.

Não interessa se um especialista concorda ou não — se o algoritmo diz, é porque é verdade. Para cada psiquiatra credenciado a explicar o que são realmente estas condições, há dezenas de criadores a listar “sinais ocultos” de doenças complexas em vídeos de 30 segundos. O que poderia correr mal?
Claro que nem tudo é mau. O TikTok ajudou a normalizar conversas sobre saúde mental, luto, aborto e até doenças terminais. Comunidades como “GriefTok” e “SoberTok” criaram espaços de partilha genuínos, mostrando que há um lado positivo na democratização da informação.
Mas entre esta partilha real e as tendências da moda, há um terreno pantanoso onde a linha entre ciência e charlatanice se torna perigosamente ténue.
A cultura das dietas também se reinventou na plataforma. Já ninguém “faz dieta”, agora tudo é sobre “equilíbrio hormonal” ou “saúde intestinal”. Mas no fundo, o objetivo continua o mesmo: perder peso de forma rápida e, de preferência, mágica.
O Ozempic, um medicamento para a diabetes, virou a nova poção milagrosa, e os vídeos de antes e depois de utilizadores que o tomam inundaram o feed. Tão eficaz que até levou à escassez do medicamento em algumas farmácias.
Obsessão pelo bem-estar?
O lado mais irónico? Muitas destas tendências vão contra o que realmente sabemos sobre saúde. O TikTok está cheio de dicas para dormir melhor, mas quem é que consegue seguir um ritual noturno com cinco passos quando passa horas a rolar infinitamente pelo feed?
Até os médicos que se aventuram na plataforma, na tentativa de corrigir mitos, acabam por entrar no jogo do algoritmo, numa batalha constante entre ciência e viralidade.
No final do dia, o TikTok não criou a obsessão pelo bem-estar — apenas a embalou de forma mais viciante e visualmente apelativa. É um espelho dos nossos tempos: uma mistura de boas intenções, desinformação e uma pitada de entretenimento puro. Mas uma coisa é certa — nunca antes foi tão fácil sentir que estás a morrer de uma doença rara enquanto aprendes uma coreografia nova.
Eduardo Marino, psicoterapia, terapia de casais
eduardomarino.psicoterapia@gmail.com