O diagnóstico de cancro de mama chegou aos 34 anos. Djamila de Oliveira Martins já era seguida, desde os 25, no IPO de Lisboa, na consulta de risco familiar, por ter uma mutação genética BRAC 2. “Infelizmente havia muitos casos na minha família. As pessoas que têm esta mutação têm uma maior predisposição para ter alguns tipos de tumores”, explica. Já tinha sido cuidadora da mãe, durante a adolescência, que morreu devido à mesma doença.
Apesar de fazer rastreios anuais ao cancro da mama e de ter realizado os exames meses antes, foi em setembro de 2016 que recebeu o diagnóstico de cancro da mama, do tipo hormonal. “Inicialmente, foi um choque.” Como era seguida há imensos anos e a situação controlada, achou que não estaria doente.
“Tive de fazer várias cirurgias e tratamentos, foi uma fase muito dura, até porque a minha filha Lara era muito pequena, tinha um ano e meio.” Certo dia, no decorrer deste processo, Lara chega a casa com um livro em branco e com o trabalho de casa para os pais, que consistia em preencher as páginas com uma história.
Apesar de ter uma enorme paixão por artes, de ter o curso de arquitetura e herdado uma veia criativa da mãe, que morrera anos antes e adorava pintura, não se sentia minimamente inspirada ou com energia para cumprir o que era pedido. “O tema era livre, não estava com cabeça para nada, mas só pensava na importância que a minha filha tinha nesta fase tão complicada, pela qual estava a passar”, conta.
Além dos tratamentos de quimioterapia e de todo o processo que um cancro impõe, Djamila teve de enfrentar uma menopausa precoce por ter optado por realizar uma cirurgia profilática, que consistiu em retirar os ovários, para prevenir a possibilidade de vir a ter um cancro ginecológico, que é frequente em doentes com a mutação genética BRAC 2.
“Os dias não eram nada fáceis, mas sempre que ela chegava a casa, eu ficava ótima”, conta. A filha, por ser muito pequena, não tinha noção da doença da mãe. “Começou a perceber que estive doente alguns anos depois porque apanhou uma foto ou outra em que estou careca ou porque se foi apercebendo das minhas cicatrizes.” As mesmas cicatrizes que a fazem aceitar o passado e a manter um espírito criativo, a ser otimista e a viver os dias com resiliência.
A Casa da Nuvem: Para ler em família
Nascia assim a ideia do livro A Casa da Nuvem, como um trabalho de casa de três páginas para a escola. Apesar de ficar arrumado numa gaveta de casa, Djamila nunca desistiu da ideia de contar esta história e de a fazer chegar a mais pessoas e a mais famílias. É simultaneamente uma homenagem aos cuidadores informais, a todos os que cuidam de familiares doentes, mesmo aqueles que não têm noção da sua importância na recuperação.
A autora e ilustradora sempre gostou de escrever, desde muito pequena, e lembra-se de viver inquieta perante a sucessão de ideias que tinha. Essa inquietação permaneceu na vida adulta, e depois de deixar aquelas páginas a ganhar pó, sentiu que tinha chegado o momento de retomar e acabar a história. Lara é a protagonista de quase 50 páginas em se conta a influência que teve no estado de espírito da mãe. Este é um livro infantil que pode – e deve – ser lido em família.

“Acho que o livro é uma boa ferramenta para todas as famílias que estejam a passar por esta ou por outras doenças. Apesar de ser um tema pesado e complexo, tentei que a história fosse leve, interessante e que estimulasse os mais novos a terem curiosidade em lê-la.”
Com prefácio de Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica e CEO da Colectivo Transformar, as páginas do livro vão crescendo a partir de tons mais sombrios – castanho, cinzento e tons mais escuros – para cores quentes e mais intensas – vermelho, laranja, amarelo –, acompanhando o estado de espírito dos pais e a aventura da protagonista Lara.

“A nuvem tem um poder sobre a casa da família, em que tudo está diferente, em que a Lara chega da escola e depara-se com a tristeza da mãe, apercebendo-se que algo se passa. Ela consegue aceder à nuvem, que é quase um subconsciente da mãe, e vai dando conta das várias emoções vividas durante todo o processo.”
Cancro, dúvidas e apoio psicológico
Embora fosse invadida por perguntas constantes sobre se iria sobreviver à doença para conseguir acompanhar o crescimento da filha, agarrou-se ao facto de ser “muito positiva, talvez até em excesso” e cumpriu todas indicações médicas. “A minha filha tem hoje dez anos e eu fico feliz por conseguir vê-la crescer.” As dúvidas, essas, persistem. “Mesmo quando se supera um cancro, os medos continuam cá. Espero continuar bem, mas com a consciência de que o cancro é sempre tratado como uma doença crónica.”
Ao longo dos últimos anos, Djamila tem procurado ajuda psicológica para lidar com todas estas questões. “Acho que toda a gente beneficiaria ao fazer psicoterapia. Infelizmente, não fui acompanhada quando a minha mãe faleceu e no processo de luto, nem enquanto estive doente”, afirma. Foi quando se apercebeu que estava a passar por um período “descendente” que decidiu procurar e passar a ter sessões de psicoterapia, rotina que mantém quinzenalmente. “Realmente, têm feito toda a diferença e é um apoio essencial.”
Na rotina dos dias, Djamila divide-se em várias atividades onde a criatividade surge como o denominador comum: entre ilustrações que lhe solicitam, as histórias que vai construindo e que quer converter em livro, e a inspiração que insiste em espreitar, e que a doença não desvaneceu.
Os direitos de autor do livro revertem, na totalidade, para a Fundação Rui Osório de Castro, que tem como missão informar os pais, as crianças e a adolescentes com cancro, e promover a investigação na área do cancro pediátrico. Pode ser encomendado ou encontrado nas livrarias habituais.
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Fundação Rui Osório de Castro