Quietos e reservados, os introvertidos preferem ambientes calmos, sentem-se bem sozinhos a ler ou escrever e precisam dessa solidão para recarregar as energias. Se fazes parte destes 50% da população, descobre porque te sentes a sufocar em ambientes com muitas pessoas e o que fazer para aceitar e ser feliz na introversão.
Se pudesses escolher um destes cenários para uma sexta-feira à noite, qual seria: uma festa com muitos amigos e música alta e ou ficar por casa, num ambiente calmo, a ler um livro? A resposta pode dar pistas sobre o teu tipo de personalidade: extrovertida ou introvertida.
“A introversão é uma dimensão da personalidade que se manifesta por um comportamento mais reservado, solitário e centrado no próprio pensamento e reflexões. Os introvertidos têm uma tendência natural por atividades que podem fazer sozinhos – ler, escrever, usar conhecimentos informáticos, refletir ou caminhar – e estão interessados no seu mundo interior, no próprio pensamento e perceções”, explica Fernando Lima Magalhães, psicólogo clínico.
Já o extrovertido “dirige a sua atenção para o mundo exterior, para as outras pessoas ou para fatores externos”. Apesar disso, “o introvertido não quer ficar sempre sozinho, pois gosta de estar com outras pessoas, mas com menos frequência do que o extrovertido. Chega mesmo a sentir cansaço ou exaustão em ambientes muito estimulantes, preferindo ambientes calmos ou tranquilos, com algumas pessoas”.
Predisposição genética
Para Fernando Lima Magalhães, “existe uma predisposição genética, que define uma base neurológica para as características da personalidade introvertida e que poderá ser reforçada (ou não) e moldada pelo meio ambiente, pelas pessoas e experiências de vida”.
Poderá manifestar-se desde a infância até que, “por volta dos 18 anos, as características da personalidade tendem a ser mais estáveis. Ou seja, aquilo que somos resulta de uma interação dinâmica de múltiplos fatores”. Já a nível cerebral, parecem existir algumas diferenças: “os introvertidos têm uma menor ativação dos circuitos de recompensa e maior sensibilidade a estímulos aversivos, o que explica serem menos interessados pelo mundo exterior. Já os extrovertidos têm o circuito de recompensas mais ativado, por isso procuram mais sensações a partir do mundo exterior”.
Como reconhecer um introvertido
Existem determinadas características que reforçam este traço de personalidade. “Se a pessoa fala pouco de si própria, ou apenas o necessário, com algumas pessoas em quem confia, se fica cansada ou aborrecida perto de muitas pessoas, se não sente prazer em eventos sociais, preferindo um pequeno grupo de pessoas próximas e íntimas, com o qual tem uma relação profunda”, explica o psicólogo.
“Se estiver num ambiente com muitos estímulos, como uma festa agitada, pode sentir-se desfocada e sobrecarregada, pois vai gastar muita energia a processar a informação que está a receber”.

A maior diferença face a um extrovertido é que este “gosta de estar no meio das pessoas, expressando-se frequentemente e procura ambientes estimulantes e energéticos. Já o introvertido procura um ambiente calmo, onde pode estar ocupado com os seus interesses e pensamentos, tendo um menor interesse em socializar”. E é nestes ambientes calmos que recarrega as energias, “pois sente emoções positivas a ler ou escrever, por serem atividades relaxantes”.
É timidez ou introversão?
Se existem características da personalidade que permitem traçar o perfil de uma pessoa introvertida ou extrovertida, não são raras as vezes que um introvertido é confundido com uma pessoa tímida. “A introversão e a timidez são características diferentes”, lembra Fernando Lima Magalhães.
“Na timidez existe vergonha ou ansiedade perante a experiência social, por medo de parecer ridículo ou de ser rejeitado. Na introversão existe inaptamente uma tendência pelo mundo interior, pelo que não procuram muitas interações sociais, podendo ser (ou não) tímidos”.
Jenn Granneman, autora do livro The Secret Lives of Introverts e do site Introvert, Dear, que viria a tornar-se a maior comunidade online de introvertidos do mundo, exemplifica o que leva um introvertido e um tímido a faltar a uma festa: “O introvertido fica em casa porque prefere a solidão e um ambiente relaxado. Já o tímido tem medo do que as pessoas vão pensar de si e receia passar vergonha”.
Apesar do recente movimento ‘introvert positive’, que encoraja os introvertidos a assumir a sua personalidade, Jenn Granneman defende que ainda há muitas preconceitos à volta dos introvertidos.
Vida a dois
Numa relação pode ser necessário um ajuste ou adaptação às características da outra pessoa. “Se as pessoas são muito diferentes poderá tornar a relação muito difícil ou ter poucas hipóteses de funcionar”, alerta Fernando Lima Magalhães.
“É necessário valorizar as diferenças. Há experiências de cada um que podem ser fascinantes para a outra pessoa. A capacidade de introspeção do introvertido pode completar a extroversão do parceiro. Já as pessoas que o extrovertido conhece podem ser interessantes para o introvertido”, refere o psicólogo.
Também podem fazer um acordo sobre como passam o tempo, “dividindo de forma democrática as preferências de cada um, como um fim de semana mais social e outro em casa, com passatempos mais solitários. Definam os limites do que gostam e não gostam na relação porque o extrovertido pode interpretar o silêncio do outro como rejeição, mas na realidade é o seu modo de ser, não está aborrecido”.
Eternos incompreendidos
“Muitos introvertidos sentem-se deslocados, estranhos ou incompreendidos. Apesar de existirem alguns progressos, ainda são vistos como estranhos por saírem de uma festa a meio. Ou, numa reunião de trabalho, só quem fala mais alto é que é ouvido e consegue levar as suas ideias avante”, lembra Jenn Granneman. “Num grupo, se estão quietos e contemplativos perguntam-lhes ‘o que se passa?’. Para a sociedade, ser reservado não é divertido”.
Fernando Lima Magalhães reforça a ideia de que a sociedade valoriza ou favorece os mais extrovertidos. “São vistos como mais confiantes ou felizes por participarem em conversas, pois numa sociedade tão mediática, o ser afirmativo e expressivo é valorizado por muitas pessoas. Como se falar alto em público significasse ser mais inteligente ou bem-sucedido. Mas não existe relação entre ser extrovertido e ter melhores ideias ou ser mais bem-sucedido. Acredito que precisamos de ultrapassar um certo preconceito em relação à introversão, pois é uma qualidade tão válida ou normal como outras”.
Jenn Granneman desafia mesmo os introvertidos a celebrar a introversão. “Fazem parte dos 50 por cento da população que processa tudo mais profundamente, que pensa de forma criativa, resolve problemas de forma única e não precisam de ninguém para se entreterem. Fazem parte de uma grande família de introvertidos, que inclui personalidades como Bill Gates ou Albert Einstein. O mundo precisa dos pontos fortes que os introvertidos têm para oferecer”.
Falsos mitos
Fernando Lima Magalhães ajuda a desconstruir mitos sobre introvertidos.
*Os introvertidos são antissociais – Falso
“Os introvertidos não estão contra as pessoas e não existe qualquer transtorno na introversão. A sua tendência para atividades a sós é vista erradamente como antissocial, mas estão disponíveis para as pessoas quando necessário.”
*Os introvertidos são antipáticos e mal-educados – Falso
“Podem não ser tão expressivos ou exteriorizar tanto as emoções como um extrovertido, sem ser ‘antipáticos’, mas vão comunicar o necessário.”
*Os introvertidos invejam os extrovertidos porque querem ser como eles – Falso
“A introversão é um estado natural, espontâneo e é a maneira de ser automática, portanto não há necessidade de serem outra coisa.”
*Os introvertidos estão sempre tristes – Falso
“Não existe relação entre o estado de humor com a extroversão. O introvertido poderá ter mais prazer com atividades que faz sozinho, e isto não ser tão visível porque é algo mais interior. O extrovertido poderá expressar a sua satisfação com mais pessoas, em voz alta.”