Num evento de apresentação dos livros Estou sempre a mil – Uma cabeça que nunca se desliga ou será PHDA, de Rita Gama Ferreira, e 300 mil anos de ansiedade, do psiquiatra Gustavo Jesus, organizado pela Livraria Indie, em Cascais, realizado durante o mês de março, a psicóloga e o psiquiatra ajudaram a esclarecer algumas dúvidas dos presentes.
Num mundo em que vivemos hiperconectados e com estímulos recorrentes, é possível que a confusão aconteça e que surja a dúvida sobre se teremos ou não PHDA. Se já pensaste isso, não te preocupes, não é o único. “Está um pouco na moda dizer-se que se tem PHDA”, disse a psicóloga clínica.
O facto de as redes sociais disponibilizarem conteúdos mais acessíveis sobre este tema leva a que a dúvida possa surgir com mais frequência. Rita Gama Ferreira sentiu a necessidade de investigar mais sobre o tema porque chegam muitas pessoas à sua consulta a achar que têm esta disfunção e por se identificarem com os sintomas.
“É preciso diferenciar as situações e perceber se esta hiperestimulação advém da PHDA ou de outra situação que também precise de acompanhamento, como ansiedade, burnout ou mesmo de algo que não seja patológico.” No entanto, o primeiro passo pode ser procurar ajuda quando a sintomatologia provoca sofrimento.
Diagnóstico de PHDA. E agora?
A psicóloga partilhou nesta sessão o seu próprio diagnóstico de PHDA três anos depois de ter aplicado um inquérito a uma paciente. Não conseguiu deixar de reparar que, ela própria, tinha confirmado todas as hipóteses de sintomas (aplicadas a si mesma), tanto na idade adulta, como na infância. “Levei este resultado à minha psicóloga e, depois, também para o psiquiatra e acabei por ser diagnosticada.”

Confessa que nunca teve uma reação negativa. Na verdade, foi um alívio. “Saber o que tinha deu-me a resposta que precisava para uma série de questões internas que não estavam resolvidas e que apenas a terapia não seria suficiente.” Sublinha que precisava de um nome para perceber o que se passava e ser medicada com a terapêutica adequada para o que eram as suas dificuldades.
“É engraçado porque a PHDA foi o que dificultou muito na infância e é aquilo que atualmente me faz sentir muito realizada. É com o que trabalho e sinto que posso ajudar outras pessoas a encontrar o famoso ‘finalmente’ para os seus problemas.”
Pode ser stressante viver com todos os sintomas que esta condição causa, e é habitual que alguns doentes tenham outras patologias, como perturbações ansiosas e depressivas.
“A PHDA é sobretudo genética, numa carga que representa cerca de 80%. Mesmo que estes sintomas não tenham sido diagnosticados têm de ter estado presentes na infância, no máximo até aos 12 anos de idade”, adiantou Gustavo Jesus, diretor clínico do centro PIN, especializado em perturbações de desenvolvimento.
Para chegar ao diagnóstico, são quatro as dimensões envolvidas e que devem ser avaliadas: défice de atenção, hiperatividade, impulsividade e desregulação emocional.
Gustavo Jesus explica sintomas ligados a um diagnóstico de PHDA
Hiperatividade – As pessoas com PHDA vivem com o cérebro em agitação, “como se tivessem cinco canais de televisão ligados ao mesmo tempo”. São geralmente muito criativas, mas têm dificuldade em terminar uma tarefa. Podem inscrever-se em vários cursos, mas não conseguem terminar nenhum.
Impulsividade – Pode manifestar-se de diferentes maneiras, verbalmente (falar sem pensar, interromper os outros enquanto eles estão a falar, não se conseguir conter em reuniões e interromper o próprio chefe); a nível alimentar e ao nível das decisões.
Dificuldade de atenção – Uma incapacidade de manter a atenção sustentada no tempo numa atividade, sobretudo se for aborrecida versus períodos de grande intensidade de manutenção da atenção (hiperfoco) para algo de que se goste. Isto é o que é mais disfuncional na idade adulta porque interfere com ser um estudante universitário, pai, trabalhador, fazer horários noturnos, entre outros.
Desregulação emocional – É relevante sobretudo a partir da adolescência. Na idade adulta, é muito exacerbada. Há quem fale das pessoas com PHDA como eternos adolescentes. Nos adultos, isto tem um impacto direto nas relações interpessoais, nos conflitos conjugais e no abandono do emprego ou de cursos superiores.
Quando procurar ajuda?
Gustavo Jesus acompanha adultos com PHDA e explica que “sempre que existe uma variação do estado da pessoa num determinado momento do tempo, que se prolonga, deve recorrer-se a ajuda médica”. Em primeiro lugar, é feito um diagnóstico diferencial por um médico, por exemplo, para descartar questões hormonais (hipotiroidismo, anemia), que podem originar perda de concentração e de foco.
“Excluídas todas as causas médicas para os sintomas, o tratamento farmacológico no adulto é a primeira linha, ou seja, não há nada tão eficaz como a medicação para a PHDA”, explica. Porém, deve ser em conjugação com a psicologia porque, apesar da medicação, é preciso capacitar as pessoas a usar a atenção porque “passaram toda a vida desreguladas, não sabem estudar, planear tarefas, etc. O que a medicação vai fazer é estabilizar a pessoa com PHDA”.
Rita Gama Ferreira sublinha que “a medicação ajuda a regular quimicamente o cérebro, mas também a prevenir outras condições e perturbações”. A psicoterapia “como um treino comportamental e de competências tem impactos diretos no próprio cérebro”, acrescenta o psiquiatra.

Gustavo Jesus descansa aqueles que têm receio dos efeitos secundários da medicação nos adultos, sobretudo a questão da dependência. “É fácil parar a medicação e não é preciso ir aumentando a dose ao longo da vida.”
Em suma, o médico defende que “havendo critérios é um erro não medicar”. Na infância, a primeira linha de tratamento é psicológica e só se falhar é que se prescreve medicação. É assim que os especialistas atuam na clínica PIN. “As crianças vão ter consequências muito mais nefastas de terem PHDA do que estarem medicadas”, refere.
Estratégias individualizadas
Para lidar com os sintomas da PHDA, Rita Gama Ferreira explica que as estratégias e dicas defendidas nos livros são genéricas, mas cada caso é um caso e é preciso adequar às características individuais. “Nós não somos um diagnóstico. Apesar de existirem ideias gerais, mas nem todas funcionam com alguns dos pacientes.”
O que a psicóloga clínica opta por fazer é reformular a estratégia antes de a aplicar na prática. “Por exemplo, vejo muitas pessoas em pânico porque adiam – ou esquecem-se – (de) algumas tarefas, mas fazem listas completamente irrealistas.” E isso leva a uma frustração permanente.
É preciso ter tudo à vista para melhorar a atenção e diminuir as distrações com os estímulos externos, mas também internos (devido aos pensamentos aleatórios). Complicado? A psicóloga clínica exemplifica: “Se não estiver na lista, não é um compromisso; se não tiver um relógio à frente, não se consegue gerir horários…”.
Para pessoas com dificuldade na gestão de tempo, Rita Gama Ferreira sugere vários relógios em várias partes da casa ou que se recorra a despertadores que funcionem como lembrete das tarefas a realizar. Os post-its coloridos e as estratégias visuais vão funcionar muito melhor do que outras estratégias.
“Para estudar pode ajudar sair da zona onde está habituado a procrastinar, tirar o telemóvel de perto e colocar noutro sítio, desligar as notificações ou recorrer a fones com cancelamento de ruido, caso a pessoa esteja a estudar em sítios com muita gente junta”, explica. E acrescenta: “Não há uma pessoa com PHDA que não esteja carregada de estratégias, mas é essencial procurar ajuda. Podemos avaliar melhor cada situação, na terapia.”
Precisa de ajuda?
Clínica PIN – 215 887 394/405 | 910 460 460 (Sede)
Brainstorm PHDA – Associação relacionada com PHDA no adulto